Intruso
Acabo de chegar em casa após passar minha manhã de sábado fazendo as compras no centro. Cansado do peso das sacolas, largo-as no meio da sala mesmo.
Abro a janela da sala para entrar um vento e aliviar o calor da caminhada matinal. Vou ao quarto abrir a janela também, mas me distraio com a bela vista antes de abri-la. Um lago descansa imóvel em sua própria tranquilidade, e a rua arborizada sobrevivendo ao concreto humano e mantendo resquícios de natureza que tanto dá fôlego ao meio do caos da vida diária.
O coração acelera. A respiração acelera. As pernas bambeiam, Com medo, começo a procurar em volta. Pego a primeira coisa que aparece pela minha frente. Uma vassoura.
Avanço pelo quarto com minha invencível arma-vassoura. Vou em direção ao quarto ao lado com um olho à frente e outro atrás. Não encontro nada. Nada no banheiro. Nada na cozinha.
Mas quanto mais avanço e não encontro nada, mais meu cérebro teima que o perigo está ali sim.
Chego, por fim, na sala. Vasculho bem tudo ao meu redor quando escuto um barulho vindo da rua, me assusto e tropeço por cima das sacolas que, em meio ao pânico, esqueci completamente.
Alguns segundos são necessários para meu cérebro processar que o barulho foi apenas de fogos de artifícios na rua, mas, ao mesmo tempo, olho para trás e vejo algo saindo em disparada de trás das sacolas que derrubei.
Começo a chorar e rir ao mesmo tempo. Choro de rir. Ou rio de tristeza. Ou choro de raiva. Ou rio de vergonha.
Não sei, minhas emoções se confundem ao perceber que todo aquele pânico foi causado por um simples e fofo passarinho.
Não dá tempo de fazer nada além de tomar consciência do fato, pois tão rápido quanto estes poucos segundos de esclarecimento é a velocidade com que o pássaro sai em disparada, janela a fora.
Corro para a janela e o vejo se distanciando em meio ao céu azul. Em meio às árvores engolidas pelo concreto. E imagino o quão assustado ele deve ficar com esse mundo de concreto e humanos gigantes à sua volta. O quão assustado deve ter ficado com a minha aparição.
Com tamanha semelhança, só posso esperar que ele se sinta tranquilizado pelas árvores e natureza que ainda resta na rua.
E, enquanto ele desaparece no horizonte, pergunto-me quem realmente é o intruso: o pássaro em meu apartamento ou eu, no mundo dele...
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