Filme "A história Verdadeira"
O filme “A história verdadeira” é
baseado em fatos reais e conta sobre o ex-jornalista do New York Times Michael
Finkel (Jonah Hill), o qual foi demitido após ser descoberto que a matéria que
ele havia feito sobre um garoto era, na verdade, uma história envolvendo
situações vividas por diferentes garotos.

Então, ele volta para a cidade da sua
namorada para morar com ela, mas é difícil conseguir um novo emprego, visto que
sua reputação foi manchada. No entanto, ele descobre que um criminoso da lista
dos mais procurados do FBI, Christian Longo (James Franco) estava utilizando o
nome de Finkel. Curioso, ele começou a se relacionar com o criminoso que estava
preso, vendo aí uma oportunidade de trabalho, escrevendo um livro sobre a
versão do criminoso da história do assassinato.
Assim, vamos acompanhando os encontros
de Finkel e Christian e também o desenrolar de uma relação entre os dois que se
estabelece de um modo inesperado, focando em uma investigação que envolve temas
como assassinato, amor, engano e persuasão. A história proporciona uma reflexão
instigante sobre a utilização de técnicas e estratégias para tentar convencer o
público e a responsabilidade do jornalismo com a verdade. Qual é o ponto de
mudança entre a verdade e a mentira? Uma fronteira tantas vezes muito tênue e
nem sempre tão definida e identificável.

A animação do jornalista para com
essa oportunidade e a posição tomada por ele não são apenas motivadas por sua
necessidade de conseguir retomar sua carreira, mas também para recuperar sua
reputação. Apareceu como uma chance de revelar a verdade; quem sabe, assim
poderia recuperar a confiança dos outros em suas próximas produções?
Mas, para isso, há um preço.
Christian se apresenta como um fascinado pelas obras de Finkel e está disposto
a contar sua versão da história com exclusividade, se o jornalista o ensinar
técnicas e estratégias de escrita. A outra condição é que a produção do
jornalista só fosse publicada após o julgamento. Finkel não vê nada de mal
nisso e, em sua posição desesperada por um trabalho, talvez aceitasse quase
qualquer coisa sem pensar ou perceber as implicações do acordo.
Porém, Finkel alerta o criminoso de
que este pode não gostar do que o jornalista iria escrever. Apesar disso,
Christian não parece se incomodar com isso, o que não cria uma tensão entre os
dois. Entretanto, a situação começa a complicar quando Christian admite a
responsabilidade pela morte de dois membros da família, mas não de outros dois.
Esse posicionamento contraditório do réu colocou em risco mais uma vez a
reputação do jornalista.

Então, quando o réu contou sua
história da forma mais emocionante possível, para conquistar a simpatia do
júri, utilizando as técnicas ensinadas pelo jornalista, Finkel finalmente
percebe o objetivo do criminoso. Christian estava utilizando sua relação com o
jornalista para desenvolver a melhor forma de contar sua história para o júri,
buscando seduzir a todos com suas supostas verdades. O jornalista então se
arrepende de não ter aceito compartilhar seus escritos antes com a promotoria.
Tenta voltar atrás, mas o promotor não aceita que Finkel testemunhe, afinal,
quem vai acreditar que o jornalista está falando a verdade, depois da perda de
sua reputação e credibilidade?
Isso traz à tona uma questão interessante: o
que é a verdade? Você já tentou definir o que seria o conceito “verdade”?
Apesar de utilizarmos essa palavra frequentemente, dificilmente pensamos em como
algo é definido como verdade ou mentira, em quais são as caraterísticas que algo
precisa ter para ser tomado como verdade. Curioso notar o quanto a verdade é
importante em nossas vidas, a ponto de destruir uma carreira, fazer perdermos
quem amamos, ou a confiança das pessoas e mudar completamente nossas vidas,
mas, ao mesmo tempo, não termos certeza do que vem a ser essa tal de verdade em
seu conceito.
Como comentamos em “Resenha de ‘Truque de Mestre’ e Percepções”, o ser humano se conecta com a realidade a nossa volta
através dos processos cognitivos como a percepção, a qual permite que entremos
em contato com o mundo através dos órgãos dos sentidos. Isto também consiste em
uma interpretação daquelas informações recebidas por estes órgãos.
Portanto, é possível compreender que toda
história tem suas versões, dependendo da pessoa que a está contando e não
necessariamente uma delas seria mentira. Como cada pessoa tem uma história de
vida e experiências próprias que modelaram sua compreensão de mundo, cada uma
vai ter um processo de interpretação particular. Assim, uma mesma situação, com
os mesmos acontecimentos e características, pode ter inúmeras interpretações,
dependendo de quem é o observador.
É dessa dificuldade de definir a
verdade e da falta de outra pessoa sobrevivente no assassinato cometido que Christian
se utiliza para tentar criar uma história e toma-la como verdade diante do júri.
Brincando com a dificuldade de traçar claramente a verdade do fato, ele utiliza
estratégias para convencer aos outros que a “verdade” que ele criou era “a”
verdade.
Mas em uma situação incerta, há vários
elementos que influenciam no que a pessoa vai acreditar. Portanto, as pessoas não
estão sob influência apenas da história contada pelo criminoso, mas também das
emoções que as fazem sentir repugnância por Christian já que desde o início ele
é o suspeito de matar 4 pessoas da própria família. Além disso, acredita-se que
quanto mais fácil é pensar num cenário, mais a pessoa acredita que ele seja provável.
Assim, se um fato parece particularmente comum, há uma alta probabilidade de ter
peso desproporcional em qualquer julgamento. Portanto, é mais fácil acreditar
que um marido matou a família do que a mulher ter matado e ele tentado impedir.
Outro elemento que o diretor utilizou
foi o efeito halo, em que o cérebro analisa e julga uma pessoa de forma a elaborar
uma conclusão com base em apenas uma característica, como a beleza ou vestimenta.
Assim, ao criar um personagem considerado pela nossa cultura como agradável aos
olhos, com um falar manso e gestos graciosos, os produtores, possivelmente,
buscaram possibilitar uma simpatização da audiência com o personagem - embora
uma dúvida constante até o fim de sua inocência permanecesse.

Portanto, a questão é que não há como
ter certeza do que ocorreu no dia dos assassinatos. Tudo o que resta é realizar
um julgamento com base nos fatos a que se tem acesso, embora seja improvável um
julgamento totalmente imparcial, considerando que nenhum ser humano é livre de
emoções e sentimentos. Paradoxalmente, há tanta incerteza nisso quanto a dificuldade
de definição do que seria a certeza.
Enfim, o ser humano filtra a todo
momento sua percepção com base no que acredita que o mundo é, através de seus
processos psicológicos e experiências de vida. Isso auxilia as pessoas a
entenderem o mundo e interpretar suas experiências, dando um sentido para suas
vivências e entendimento do que ocorre ao seu redor. Mas ainda resta a dúvida:
o que é a verdade? Existe mais de uma? Ou, mesmo, ela realmente existe?
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